Quando se tem sete ou oito anos de idade, em que na hora do intervalo na escola, seus colegas vão jogar bola na quadra ou jogar bola de gude na areia, as coisas parecem bem mais simples do que são. Quando o seu professor de Ed. física percebe que você pode liderar o time de futsal feminino para os próximos jogos escolares, parece que você está no auge da sua vida. Então você joga, ganha, recebe troféu, ou quem sabe um beijo da mãe. Ótimo, você é campeã.
Quinze anos se passam e você ainda olha para aquela medalha pendurada na parede da casa da sua mãe, no qual nem ela lembra porque está ali. E você se pergunta cadê a garotinha campeã, que tinha uma chuteira da Topper e uma meia Adidas? Que tinha as canelas tortas iguais às do Garrincha e que jogava melhor que os meninos da sua turma? Agora a menina é uma universitária, engajada no movimento estudantil, blogueira, boêmia, que não consegue mais correr vinte metros porque o cigarro não deixa.
Não sei onde foi parar o meu gosto por futebol, e nem onde foi parar o meu amor pelo Palmeiras, só sei que hoje futebol pra mim é tão desnecessário quanto geladeira no Polo Norte. De uns anos pra cá peguei verdadeira aversão a jogo de futebol na TV. As quartas feiras então são sofríveis, por isso sempre renovo o meu estoque de revistas e livros da minha estante.
Sim, não gosto de futebol. Ponto. Essa história de que todo brasileiro gosta de futebol e carnaval é mito. Eu sou chegada num samba, mas não engulo mais Campeonato Brasileiro, Libertadores da América ou qualquer outro campeonato. Alguém pode comentar agora: mas você, estudante de jornalismo, não gostar de futebol? Opa, isso não quer dizer que eu não goste de esporte, só não gosto de futebol. Por quê?
Bem, quando crescemos, os interesses mudam. Os meus mudaram. Começou a ser perda de tempo pra mim, ficar duas horas na frente da TV vendo uma partida de futebol. E agora recentemente a minha crise com o esporte se intensificou com a questão da copa do mundo. Num país em que se gasta anualmente com educação pouco mais de R$14 bi, o governo vai gastar R$ 25 bi com a reforma dos estádios, melhorarias no transporte público, como aeroportos e rodoviárias, em função de um evento tão desnecessário. Num país em que as crianças do ensino fundamental da região nordeste comem merenda com prazo de validade vencido ou em estado de putrefação, chega a ser até uma vergonha esses números que governo já dispôs para os preparativos para a copa do mundo.
Outra questão seria essa supervalorização do jogador de futebol. Quantas crianças não gostariam de ser um Ronaldo ou Neymar da vida? Quantas não deixam de ir à escola para estarem no campo de várzea esperando o olheiro chegar e enxergá-las? Milhares... Num país onde não se precisa ir à escola pra ficar famoso e rico, bastando apenas jogar futebol, qual o papel da educação afinal? O que é mais vantajoso: estudar sete anos pra ser médico e trabalhar 24 horas num hospital público ou ser jogador de futebol e ganhar R$200 mil por partida? Mas quantos têm a real chance de brilhar, de ganhar milhões pra comprar uma casa pra mãe. Pouquíssimos...
A contra argumentação surge no que tange os empregos gerados, o crescimento no setor hoteleiro, recuperação das estradas e aeroportos. Isso já foi comprovado que o montante arrecadado com a copa não cobrirá os gastos que o governo vai ter. Em termos otimistas, quem sabe em longo prazo o investimento volte para os cofres públicos. Sem contar que o congresso aprovou a flexibilização das licitações, ou seja, pode apresentar a proposta que quiser, com o preço que quiser, que o governo vai pagar. Brecha pra corrupção e superfaturamento das obras.
Uma vez, no interior de São Paulo, conheci um ex-jogador de futebol. Tinha foto com o Pelé e tudo. Havia jogado no Flamengo, no Bangu, no São Paulo, passando pelo Santos. Disse que teve que parar de jogar porque havia rompido os ligamentos do joelho. Mudou-se para uma cidade de quase 37 mil habitantes para treinar uma meia dúzia de garotos na única escolinha de futebol da cidade. Morava numa casa minúscula, com móveis antigos mas muito bem conservados e limpos. Na parede da sala, várias reportagens recortadas dos jornais do Rio e de São Paulo anunciando as vitórias dos times nos quais ele jogava. Enquanto olhava os recortes, sua esposa me servia uma fatia de bolo de limão com uma xícara de café. E todas as vezes que ouço ou leio sobre os salários dos atuais jogadores de futebol, me lembro daquele ilustre ex-jogador de futebol que foi descartado porque seu joelho já não o ajudava nos arranques. Era alcoólatra, depressivo e ainda batia na mulher. Como eu posso assistir a uma partida de futebol e ficar imune a esse tipo de coisa?
Sou brasileira, amapaense, moradora do bairro do Trem, Piratas da Batucada de coração, mas eu não gosto de futebol. Assim como tem baiano que não gosta de acarajé, gaúcho que não gosta de churrasco e americano que não gosta de McDonalds.
2 comentários:
Apesar de eu amar futebol, adorei o texto. Muito bom!
Que triste realidade é essa do nosso Brasil! Vida fácil é essa dos jogadores enquanto muitos por aí, na correria do dia-a-dia, deveriam ser considerados os verdadeiros heróis[...] Me identifiquei muito com esse texto, Jack. Eu jogava um futebol de salão quando menor, nossa! Inesquecível foi um gol que fiz bem no meião da quadra. Ganhei medalha. Hoje? Aaaha, meu sedentarismo grita! E não gosto de futebol.
Parabéns pelo post!
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