domingo, 10 de julho de 2011

Alienação é uma opção ou imposição?




Ontem, enquanto lanchava numa lanchonete perto da minha casa, fiquei prestando atenção no Zorra Total, aquele programa que passa dia de sábado logo após a novela das nove. Alguns atendentes estavam sentados em outra mesa assistindo e se deliciando com as piadas sem graça que os personagens faziam. E de vez em quando olhavam pra mim na intenção de dividir o riso. E eu, com a cara perplexa, não compartilhava do mesmo riso. Eu queria compartilhar ali mesmo a minha repulsa pelo programa e minha indignação com a Globo. Por colocar na sua grade de programação um programa de tão baixo nível intelectual, por alimentar a ignorância de um povo e aliená-lo mais ainda. Mas resolvi comer meu sanduíche e ficar assistindo o “digníssimo” Zorra Total.

O Zorra é o retrato cultural do Brasil. Em um país que até quatro anos atrás tinha um dos piores índices de analfabetismo da America do Sul, ganhando apenas da Bolívia, o programa global utiliza uma linguagem quase infantil, e assim consegue manter um índice de audiência considerável. O público alvo são espectadores acima dos cinqüenta anos, aposentados ou pessoas com nível de escolaridade baixo. Em diversos momentos é perceptível piadas homofóbicas ou sociais. Um exemplo é o quadro da Lady Kate, uma favelada que enriqueceu após ter um caso com um senador, personagem da atriz Katiuscia Canoro. A trajetória da personagem já seria um estereótipo carregado de preconceito social, como se um favelado não pudesse subir na vida pelos próprios méritos. E depois, o histórico de políticos que tiveram “casos”, em que investigações revelaram “certos favores” às amadas, não favorece em nada o quadro do Zorra. Aqui mesmo em Macapá, alguns políticos, lançando mão de suas influências, encaixavam seus casos em repartições públicas.

Bem, passando para os outros personagens do quadro de Lady Kate, não há muita diferença. Os personagens Admilson (Rodrigo santana) e Crarete (Thalita Carauta), também provenientes da favela são tão estereotipados quanto a própria Lady Kate. Falam errado, fazem uma versão de Glee com pagodes antigos e só pensam em se dar bem em cima da protagonista, como se a malandragem fosse uma postura essencialmente marginal. Agora o que dizer do personagem de Caíke Luna, o personal stylist da sociality? Cleiton é uma caricatura exagerada, aliás, como em muitos outros programas da Globo. Notadamente gay, mais parece uma mistura de Clodovil Hernandes e Fábio Arruda(aquele moço que participou do Reality show A fazenda, da Tv Record).

O fato é que quando você estereotipa, cria uma imagem para grupo sociais num programa que pertence à maior emissora do país, isso quer dizer que todo gay é exagerado e meio carnavalesco como Cleiton, que todo o favelado canta pagode o dia inteiro e desce do morro pra passar a pena em alguém, como o Admilson, ou que só conseguiu chegar na condição de sociality só porque transou com um político, como a Lady Kate. E assim a alienação e o preconceito se perpetuam porque a Globo alimenta a sede de milhões de brasileiro que vivem na pobreza financeira, cultural e intelectual. É mais fácil e rentável manter a ignorância que oferecer programas de qualidade e com conteúdo. Se você tem TV à cabo em casa, sabe que não tem nenhum programa semelhante ao Zorra em nenhum canal pago da Rede Globo. Por que quem tem TV à cabo em casa tem um poder aquisitivo maior e um nível de escolaridade elevado. Se o formato da TV aberta fosse o mesmo da TV paga, quem iria assinar os pacotes das empresas de TV paga?Uma sequência de pontos de interrogação :quem é o culpado, quem assiste ou quem produz? Ser ignorante e alienado é uma opção ou uma imposição? O que é mais é mais importante num país em que a desigualdade social é gritante: comer ou adquirir conhecimento?

Paguei a conta do lanche e fiquei sentada prestando atenção na excitação dos atendentes com os outros quadros do Zorra. Pior que esse programa, só o do Didi mesmo, que, aliás, merece um post.

Nenhum comentário: