terça-feira, 26 de julho de 2011

Segurança abstrata para um estado real





Quando Rogério Borges escreveu em um jornal de Goiânia que o Amapá era um estado abstrato, vários amapaenses, inclusive os que moram fora do Amapá, se revoltaram com tal declaração. Sendo goiano, não possui nenhum direito de falar sobre aquilo que não conhece, certo? Certo. Mas às vezes eu tenho a impressão que ele tem razão.

Calma, antes que me crucifiquem, eu vou explicar o porquê. Hoje presenciamos mais um assalto em Macapá, dessa vez na casa paroquial, fazendo cinco reféns, incluindo o bispo Don Pedro Conti. Desde o início do ano, esse é o quarto assalto com reféns. Aquela segurança que tínhamos já não existe mais. Qualquer lugar é um alvo em potencial para ação de bandidos. E detalhe: a maioria é foragida do Instituto de Administração Penitenciária do Estado, IAPEN.

Segurança pública não é um setor que se conserte ou que se reforme do dia pra noite. Considerado pelas políticas públicas de todo o Brasil como prioritário, leva tempo, dinheiro e estratégia para concluir um bom trabalho. Se um desses três elementos falharem, quem sofre é a população. Aqui no Amapá faltam os três.

Começando pela estratégia, os últimos governos não fizeram um planejamento para os quatros anos de mandato. Vamos dar um exemplo bem prático. Você reforma sua casa para as festas de fim de ano, certo? Pinta, troca aquela tábua velha, poda a árvore da calçada, compra um estofado novo. Você se planeja o ano inteiro pra que tudo caiba no seu orçamento. Assim funciona em qualquer setor, principalmente o de segurança pública.

Segundo o IBGE, o Amapá tem uma das maiores taxas de crescimento do país. Até 2020 estima-se que o estado tenha mais de 800 mil habitantes. Ou seja, o governo não acompanha o crescimento do estado, que cresce de maneira desorganizada. O que se entende por planejamento? Contingente de policiais, viaturas, treinamento, equipamentos modernos para o atendimento à comunidade. Só pra frisar, não existe uma oficina para a manutenção das viaturas. Elas rodam 24 horas por dia e não param para os reparos necessários. Ou seja, quebrou, encosta. A central de atendimento da polícia militar é obsoleta, com equipamentos ultrapassados e que muitas vezes não funcionam. Na questão do treinamento dos funcionários é ainda mais grave. Primeiro que você não vai em uma delegacia porque quer fazer uma visita ao delegado, vai porque precisa. E ainda tem que ouvir maus tratos por parte dos plantonistas. Talvez por não se darem conta de que estão ali para servir à população, que paga o seu salário. São mudanças que podem ser feitas em um mês? Claro que não.

Outro detalhe importante são as indicações feitas pelos governadores eleitos. As secretarias no estado são cargos cedidos à companheiros de partido, a aliados e até à amigos de infância. É como colocar um médico para defender você no tribunal e vice versa. Ou melhor, um professor para ser secretário de segurança de estado em plena expansão. Pessoas sem experiência alguma são expostas em situação constrangedora, como é o caso do atual secretário Marcos Roberto, que é professor e advogado. Sem contar que no último governo, o secretário de segurança Aldo Ferreira foi indicado pelo senador José Sarney por ter prestado favores ao então governador de Amapá, Waldez Góes. Preso pela Operação Mãos Limpas, foi encontrada uma quantia de R$ 540 mil em posse do secretário, provenientes de fraude em licitações públicas. Corrupção é um outro “detalhe”, mas que influi diretamente na falta de dinheiro para equipar a segurança do Amapá.

Com anos de negligência, não poderia se esperar outra coisa. Os índices de ocorrências em todo o estado aumentaram assustadoramente, e em alguns casos, com requintes de crueldade. Só nos primeiros meses de 2011 houve duas fugas em massa do IAPEN. O que conseqüentemente fez com que disparasse o número de assaltos registrados. E a sombra da impunidade rompe pelas nossas casas, nos encarcera e nos amordaça. O crime organização, antes só visto na televisão, hoje é uma realidade por esses lados. Para confirmar o colapso da segurança pública, no dia 25 de abril, assaltantes levam R$100 mil de dentro da agência do Comando Geral da Polícia Militar.

Para os otimistas de plantão, toda a indicação é sinal de esperança para quem não se sente mais seguro nas ruas da cidade. Porém, depois de sete meses, é visível a falta de preparo por parte de setores do governo. Onde fica o otimismo nesse momento? Não fica, vai embora. O mais trágico é que a solução é tão visível quanto os buracos da cidade – mas isso é uma abstração da prefeitura -, o problema é ter vontade para desenvolver um bom trabalho e assumir que a cidade está violenta. E assim lançam mão de subterfúgios para justificar algo injustificável. Dizer que o governo está quebrado, que não tem dinheiro, que a corrupção se disseminou pelas repartições, é argumento de gente que não tem argumento e competência. Todos reclamam da violência, da falta de segurança, do mau atendimento no serviço público, porém a solução é mais simples que se imagina. É só colocar cada um no seu quadrado. Por que uma arma na cara e uma facada nas costas não é nada abstrato, é real.

Um comentário:

Charles Chaar disse...

Bem, o escritor goiano fez uma crônica... Uma crônica! Onde ficou a liberdade de expressão? Me falaram que até o Ministério Público interviu no caso, se verdade isso é um absurdo.
Quanto a segurança, concordo.
Mas convém que cada um faça a sua parte já que a mídia não ajuda. Vejamos: somos massacrados por uma cultura imediatista e consumista. Desde quando a sociedade midiática nos impõe este padrão? Maquiam a realidade. Tudo se torna belo nas propagandas e te impõe a necessidade de ter 'aquele' produto, para que você se torne "mais completo" - ora, você nunca está magro o suficiente, nunca tem as coisas que precisa, nunca está belo o suficiente... Dessa necessidade invasiva surge a ideia do consumismo incontrolável, e, a consequência disso é que, as pessoas que não podem consumir pelas vias lícitas, marginalizam-se pelas vias ilícitas e todo o problema de segurança pública é gerado. Convém cada um sim, fazer sua parte. Cada um ter somente o necessário e dividir com quem precisa o seu supérfluo.