terça-feira, 14 de junho de 2011

Programas policiais no Amapá: uma pequena análise



Jornalismo é feito de notícia, seja ela boa ou ruim. E em todas as notícias, existe por parte de alguns jornalistas com ética duvidosa, a vontade de explorá-las mais e assim arrancar mais audiência. É nesses termos que começa o jornalismo sensacionalista, pronto pra espremer até a última gota a tragédia, a lágrima, a dor alheia. BARBOSA (apud por FLAUSINO) já havia detectado o perfil editorial desses telejornais numa pesquisa sobre o telejornalismo. “Bad news are good news”, intitulou a pesquisadora. No trabalho ela viu que as perseguições policiais eram a essência do telejornal, definido pelo diretor como “coisas de cinema” – numa evidente aproximação com a ficção. Ele existe em todas as mídias, não tem prazo certo de validade. Enquanto a notícia vender, lá estará um representante do jornalismo sensacionalista.

Uns defendem um jornalismo investigativo, outros acham de uma grosseria absurda. Ora, mas todo o jornalismo não é investigação? Sim, todas as áreas precisam de investigação, essa é a premissa básica da profissão. Acontece que, no Brasil, se deturpou o conceito de jornalismo investigativo, em que o jornalista levanta informações sobre um assunto delicado para a sociedade, como o caso Palocci, por exemplo. Ali, houve uma investigação séria, que demandou tempo, horas de sono e uma generosa dose de faro jornalístico, e o que se faz agora é chegar com a câmera na mão minutos depois do crime, filmar o cadáver sangrando, ainda morno. Ou correr junto com a polícia atrás de bandidos na favela, como é o caso do programa Cidade Alerta. Hoje esse é o conceito errôneo de jornalismo investigativo. Outra confusão muito comum que se faz é confundir jornalismo sensacionalista com o comunitário. O comunitário tem a participação direta do povo, do espectador, do ouvinte ou do leitor e tem a função de prestar serviços à comunidade. Discute os principais problemas dos bairros, como buracos, a falta de escolas, a falta da água.

Agora o sensacionalista fica na porta das cadeias, sintonizado nas frequências da polícia militar, e segundo informações de fontes seguras, chega até a dar uma "ajuda de custo" para policiais que informarem a notícia primeiro. E dessa forma, o jornal ganha mais status, o horário da publicidade aumenta por conta da audiência e assim mais e mais esse tipo de jornalismo torna-se comum dentro das casas. Adentrando num espaço mais específico, analisaremos o estado do Amapá e suas práticas jornalistas, precisamente o televisivo.

O Amapá atualmente possui cinco principais programas diários com a alcunha de jornalismo comunitário. São eles: Rota 16, Bronca Pesada, Câmera Livre, Balanço Geral e De olho na cidade. Intitulam-se como jornalismo comunitário por estarem próximos das periferias, denunciando as desigualdades sociais. Mas ainda pouco vimos o conceito de jornalismo comunitário, o que não tem nada a ver com o que acompanhamos na televisão todos os dias.

O primeiro programa nessa linha sensacionalista foi "Macapá Urgente" (2004/2005), apresentado por Renivaldo Costa. Mostrava o boletim semanal do número de acidentes de trânsito, números de ocorrências policiais e algumas matérias de protesto em bairros distantes. Em seguida, "Bronca Pesada" (2005), deu uma cara teatral à notícia. Apresentado por Belair Jr., veio com uma linguagem cômica e ao mesmo tempo séria. O apresentador chegava a ficar vermelho de tanta indignação com certas notícias, e então o espectador se identificava na personagem que gesticula os braços, cerra os punhos e soca a mesa. O “Bronca” lançou no mercado vários profissionais na mesma linha, e assim houve a explosão de programas voltados para essa temática. Os apresentadores Luiz Trindade e Olívio Fernandes, dos programas Câmera Livre e Rota 16, respectivamente, construíram suas carreiras sensacionalistas a partir da experiência no programa Bronca Pesada, em que os dois eram repórter de rua. Passavam plantões na porta do CIOSP - Centro integrado de operações de segurança pública, esperando um furo grandioso. Lançou-se até um bordão, de autoria do repórter Eli Santos, em que ele pegava a folha de uma planta chamada Curicaca e fazia gestos de curandeiro nos bandidos presos, sempre com as falas: "Assim como Deus criou a noite do dia, separo teu corpo da má companhia e a tua alma da feitiçaria. Em nome de Deus e da Virgem Maria. Estou te benzendo com a folha da curicaca. Se tu escapar dessa, na próxima tu não escapas".

Esses programas tornaram-se quase tão populares que os capítulos das novelas da Rede Globo. Por terem uma linguagem de fácil acesso, de darem uma notícia pesada com um tom humorístico, por não terem nenhuma elegância na hora de transmitir a mensagem. Era do povão. A audiência aumentou e junto aumentaram os valores publicitários dos horários do programa. Só o Bronca pesada chega a ter mais de vinte anunciantes num período de tempo de uma hora e meia, entre anúncios institucionais e testemunhais, os chamados Merchandising. Tomou-se o gosto por matérias grotescas, de mal gosto e apelativas. Cadáveres apareciam sem nenhuma tarja, famílias chorando seus mortos, bandidos confessando crimes sem nenhum arrependimento.

Nosso espectador é essencialmente rural. Está nas periferias da cidade, mas teve uma infância e pré- adolescência em munícipios menores e na maioria das vezes, sem estudo. O nível de compreensão para determinados meios de comunicação é muito baixo. Dificilmente um ribeirinho irá assistir um "Jornal Nacional", na qual mostra a taxa Selic a queda da bolsa de valores ou a comissão parlamentar de inquérito sobre a fortuna de Antônio Palocci. Ele quer saber quem matou o filho do vizinho, quantas facadas o bandido deu na vítima. E geralmente, a publicidade atrelada ao programa vai ser de produtos voltados para esse público. No "Bronca Pesada", o maior anunciante do horário são os alumínios Perereca, em que você pode pagar a primeira parcela só três meses depois de adquirir o produto.

E dessa maneira o jornalismo amapaense vive um círculo vicioso, em que uma questão surge em meio às confusões conceituais que não ajudam a definir em nada qual jornalismo é exercido no estado: A culpa é de quem produz o produto jornalístico ou de quem consome?

Não existe produto no mercado se não existe consumidor, pode passar um tempo tentando sobreviver, mas logo terá seus dias contados. No caso dos programas sensacionalistas, eles também existem porque alguém os assiste e consome os produtos anunciados. Produto saindo, é dinheiro entrando no bolso de quem o promove. E mais e mais anunciantes querem um espaço, os equipamentos para filmagens melhoram, a equipe aumenta, o “agrado” dos policiais que querem ver um bom trabalho jornalístico também sobe. E aja o espectador ávido consumir o programa e seus anunciantes. No entanto, só haverá mudança de postura diante desse tipo de jornalismo, quando o nível educacional da população subir, quando o entendimento sobre de quem é o problema da segurança aflorar na consciência do espectador. Enquanto a população não acordar para essa falta de bom gosto da notícia, mais a mídia amapaense se aproveitará do não-pensar da comunidade.

Um comentário:

Charles Chaar disse...

Ética é o que falta. Quais são os princípios norteadores desse tipo de jornalismo? Onde está a intervenção do MP para censurar as imagens repugnantes que passam na TV local?