domingo, 16 de janeiro de 2011

ESTAÇÃO JABAQUARA




Ele me pedia pra dormir na cama com ele, mas eu sempre recusava. Não queria sentir aquela sensação de que aquele poderia ser meu lado. Enquanto fazia o jantar, me perguntava se aquele seria o Último. Enquanto lavava sua roupa, me perguntava se ele notava quando eu colocava amaciante. Enquanto esfregava o vidro do Box do banheiro, imaginava ele elogiando o que eu tinha feito enquanto não estava em casa, ou adorando o tempero da salada do jantar, e depois tomar duas xícaras do seu sorvete preferido, que eu tinha comprado à tarde pra tomarmos depois da novela. Eu queria ficar naquela cama dormindo ao lado dele, mas não sabia se podia. Eu tinha medo. Medo de começar a imaginar que aquele lugar realmente me pertencia. E assim, mais uma vez ele me pôs pra fora da sua vida, como se dispensasse uma empregada.

Gostava de brincar de advinhações na época em que cortaram a luz do apartamento, procurar toquinhos de velas dentro da gaveta pra botar no quarto. Já não agüentava mais comer pão com mortadela e coca cola, mas era a única coisa que o nosso dinheiro conseguia comprar. Às vezes eu roubava limão do supermercado pra fazermos limonada para tomar com o resto de frango que tinha sobrado do jantar de dois dias atrás, mas ele nunca desconfiou disso. E quando teve a crise de tosse, eu quis levá-lo ao hospital, acho que sua garganta até chegou à sangrar nesse dia. Fiquei desesperada. Aí ofereci uma banana, o que só fez piorar a tosse. Ele queria ir na Virada Cultural pra ver o show do Reginaldo Rossi e do Wando. Mas a tosse não passou e então ficamos em casa. No dia seguinte eu fui ver Maria Rita e ele ficou em casa.
Aí cortaram o gás. Não tínhamos como cozinhar. A única coisa que tinha na nossa dispensa era cup nudols. Ele levou a cafeteria para o corredor, esquentou a água e trouxe o macarrão pronto pra eu comer. Sem gás, sem luz, já quase sem velas. Daqui a pouco seríamos só nós, um olhando pra cara do outro. E as seis da manhã, os aviões de Congonhas cortariam o silêncio do quarto. Da janela dava pra ver bem de pertinho as asas. Depois era impossível conseguirmos dormir, ou melhor, eu. Por que ele sempre conseguia.

Eu estou esquecendo de como era o seu rosto . Estou esquecendo o cheiro da sua camiseta suja, do seu jeito de pegar no cigarro – se é que ainda fuma. Esquecendo da cor do seu cabelo, da marca do seu biscoito favorito, do como dormia todo enrolado no edredon, do barulho que o Nextel fazia pela manhã. A cada dia que passa você vai morrendo um pouquinho pra mim. Até chegar um dia que eu não lembre mais de você. Até chegar um dia que eu não tenha mais porque lembrar de você.

3 comentários:

Aline Colares disse...

Belo texto... e triste.
Parabéns!

Jackeline Carvalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jackeline Carvalho disse...

Esse foi escrito com muita tristeza. Essa história foi narrada horas antes. Não sei se eu estava sensível, mas eu chorei bastante...
valeu pra visita!