domingo, 12 de setembro de 2010

O que você sabe sobre a ditadura?



O ano era 1985, fim de 21 anos de ditadura militar no Brasil. Nasci no dia 15 de Junho do mesmo ano. E ainda pairava uma certa desconfiança sobre o que falar e para quem falar. O medo dos militares voltarem era visível entre os brasileiros.

Com o passar dos anos, aos poucos a figura da ditadura saia do cotidiano da população assim como um demônio sai do corpo de um fiel. Em 1988 é proclamada a nova Constituição, em 1989 é eleito o primeiro presidente por votação direta depois dos militares. Enfim, a democracia vencia a batalha.

Quando passava alguma materia na tv, reportagens nas revistas mostrando os confrontos e os detalhes do período, eu paralizava. Sentia um pavor e ao mesmo tempo um fascínio por essa fase do país da qual eu não vivi. Onde pessoas desapareciam, outras eram torturadas, outras era assassinadas e ainda levavam fama de suicidas. Por que aconteceu tudo aquilo? E num Estado como o Amapá, em que alguns anos atrás ainda era território, cresci com essa pergunta que ninguém queria responder para uma garotinha de dez anos de idade.

Março de 2008, São Paulo. Fazia o primeiro (e o único) ano do curso de Jornalismo na Universidade Paulista. E no meu primeiro seminário, caiu justamente essa tema: A morte de Vlado. A saliva desceu quadrada. Mesmo com a falta de interesse dos outros integrantes, resolvi eu mesma fazer uma investigação.

Vladimir Herzog era diretor de jornalismo da Tv Cultura e, segundo o DOI-CODE, tinha ligações com o partido comunista brasileiro. Dois dias depois da sua ida às dependências do órgão para prestar depoimento, foi encontrado morto na cela. A causa? “Suicídio”.

Desembarquei na Estação Paraíso e desci toda a extensão da rua Tutoia, rumo ao antigo prédio do DOI-CODE. Queria conhecer a sala onde Wlado foi encontrado morto. Possuia apenas uma carteirinha da faculdade como documento para provar que eu estava apurando informações para um trabalho acadêmico. No percurso, começava a imaginar as torturas, os gritos, o medo. Quanto mais me aproximava, maior era o frio na barriga.

- Bom dia! Sou estudante de Jornalismo da Unip e gostaria....
- Não pode entrar.
-... gostaria de conversar com alguém...
- Infelizmente não dá.

Não passei da porta de entrada. Fim da linha. Ninguém queria falar nada. Me sentei no ponto de ônibus em frente, frustradíssima. Tinha andado tanto pra chegar ali pra nada. Havia uma senhora sentada junto comigo esperando a linha Estação Sta Cruz. Foi assim que obtive informações para o meu seminário. Ela contou que era comum viaturas rasgarem a rua com um algum preso no banco de trás. Os moradores já estavam acostumados com os gritos vindos das celas, quando não era choro varando a madrugada. Como é um bairro nobre e antigo da cidade de São Paulo, a concentração de idosos é alta. Quando percebi, tinha várias senhoras no ponto falando a mesma coisa. Das suas janelas, ficavam observando todo o tipo de gente entrar e sair do prédio. Famosos e anonimos, ricos e pobres. Pareceu que elas precisavam falar, botar pra fora, depois de tantos anos de silêncio. Contaram que pela manhã, ao passearem com seus cães, achavam dentes jogados pela rua, sem contar o odor de urina e fezes vindo do prédio ou de pessoas que entravam e não saiam mais.

Achei que já estava demais ouvir tudo aquilo. Agradeci todas elas e voltei pelo mesmo caminho de onde vim. Meia hora sentada ali foi o suficiente para eu me sentir mal. Enquanto andava, as lágrimas desceram macias e calmas. Que foram caindo, e caindo mais forte, mais forte, até eu não aguentar mais e sentar na sargeta. Parece que os demônios se escoraram em mim. Fiquei alguns minutos olhando o movimento da 23 de Maio logo em frente.


Deixei o curso de Jornalismo dias antes da apresentação do seminário por motivos financeiros...

Um comentário:

Sandro Sabino disse...

Muito bom! O velho e sempre atual ditado "Quem não conhece sua história está fadado a repeti-la". Pena que mesmo em dias democráticos, muito do que acontecia antes ainda continua acontecendo, com novos nomes, novos rostos e nem tão novos motivos assim. Até hoje eu escuto comentários do tipo "na época dos militares que era bom, não tinha a safadeza que tem hoje", e mesmo achando absurdo é bom levar em consideração pelo menos um fator: A violência e a perseguição da ditadura não chegou pra todos naquela época, nem a informação. A maior parte do povo brasileiro não sabia nada a respeito do que estava acontecendo nas celas da ditadura. Tem uma passagem interessante do Chico Buarque, chegando no Brasil depois de um tempo fora, quando foi entrevistado e disse estar muito triste pelo que estava acontecendo no Brasil e o próprio reporter não sabia do que ele estava falando. A informação circulava muito mais no exterior do que internamente. Existe um podcast (o mais famoso no Brasil) que toda semana trata de um tema diferente, e já falou sobre a Ditaduram, com muita informação e bom humor característico dos participantes. Eu recomendo muito pra quem gosta de aprender e pra quem acha que história é chata. Segue o link pra download do MP3: http://jovemnerd.ig.com.br/nerdcast/nerdcast-185-historias-do-brasil-ditadura-militar/