Ser a caçula de seis irmãos, conviver no meio de pessoas adultas (meu irmão mais velho hoje tem quarenta anos e a mais nova tem trinta e sete. Eu tenho vinte e três), talvez tenha me ajudado a aprender a discernir coisas que para outras pessoas da minha idade isso não seria tão claro. Tipo, descobrir logo cedo aquilo que deve e o que não fazer.
Quando todos ainda eram pequenos, e eu ainda não tinha nascido, minha mãe, com a melhor das intenções, preparou uma mini biblioteca em casa, feita de madeira, recheada de livros dos mais diversos assuntos. Eram livros sobre espécies de animais, sobre psicologia, História (daí descobri quem era Haddock Lobo), sobre sexualidade, sobre Historia da arte, muitos sobre Matemática. Coleções inteiras enfeitavam a entrada da primeira sala da minha casa. Mas ficaram apenas como enfeite mesmo, para dar trabalho às empregadas nos dias de faxina.
O tempo foi passando, e quem descobriu aqueles livros foi eu. Folheie todos , mas fiquei fascinada pela coleção dos irmãos Grimm. Enquanto meus irmãos trabalhavam (nosso padrão de vida caiu drasticamente depois do plano Collor), eu devorava os livros que foram reservados pra eles. Entre a escola, aquela peladinha no fim da tarde no asfalto quente, eu sentava encostada na parede e terminava de ler algum título. Ninguém entendia muito o por que logo eu fui me apegar àquelas colunas cheias de livros empoeirados, já que meus pais não tinham nem o ensino fundamental completo e meus irmãos tinham veias para os negócios (ou alguns deles).
Minha infância foi normal, com minhas pipas, meus saquinhos de bola de gude e os dedos dos pés cheios de raladas (brincar com meninos era mais emocionante que ficar penteando cabelo de boneca, até porque eu não penteava nem o meu). Mas aqueles livros na parede era o meu lugar preferido da casa. Pô, mas eu lia porque eu gostava, de verdade. Claro, alguns me ensinaram muita coisa, outras nem tanto. Como um livro que folheie sobre os perigos do cigarro, com o título: Cigarro: distrai ou destrói? Hoje fumo um maço por dia.
Aos doze anos peguei um livro da minha irmã chamado Blecaute, do Marcelo Rubens Paiva. Não era um livro tão fino, mas as letras eram grandes. Como morava em Macapá, capital do Amapá, aquelas ruas e avenidas citadas no livro eram tão desconhecidas quanto os vilarejos do Camboja. Passava-se em São Paulo e contava a história de três jovens que descobriram que eram os únicos habitantes que não estão duros como manequins. E eu pensava: puts, que maravilha poder ser um dos únicos a estarem vivos naquela cidade grande. Ou poder pintar a av. paulista de vermelho com o carro dos bombeiros. Aquela idéia era legal. É aquela cidade não saiu mais da minha cabeça.
São Paulo, Rua. Augusta, junho de 2008. Sento pra tomar uma cerveja com uns amigos enquanto não entro numa daquelas baladas fervidas. Na mesa ao lado rolava uma discussão sobre Crime e Castigo. Uns tentando explicar o livro por uma ótica filosófica, outras vinham com teorias absurdas, mas sempre um tentando colocar a sua idéia sob a do outro. Trocar informações sobre qualquer livro, cd ou filme, eu acho super bacana, saudável. Mas daí criar teorias, teses de doutorado numa mesa de bar, sempre foi e sempre será uma tremenda cafonice. Pra mim, mesa de bar tem que falar sacanagem, putaria. Daí, essas pessoas que tentam ser aceitas em um grupo por formular essas verdadeiras monografias instantâneas, esquecem o principal: que a leitura é uma das melhores formas de liberdade. Não deixar o corpo e a mente fluírem com suas escolhas próprias, na ilusão de ler grandes obras para discutir numa mesa de bar, é matar o livre arbítrio da sua alma. E eu sinto um grande pezar quando sou obrigada a ouvir essas conferências em volta de copos de cerveja e maços de cigarro. Aliás, me deu vontade de tomar uma cerveja...
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