domingo, 28 de março de 2010

Tudo em seu lugar.



Que o casal Alexandre Nardone e Ana Carolina Jatobá seriam condenados, isso não se tinha dúvidas. A pergunta era de quantos anos seria a pena de cada um. Mesmo sem uma prova concreta, apenas baseando-se nos laudos técnicos, Alexandre foi condenado a 31 e Ana Carolina 26 anos. Durante todo o julgamento pessoas de diferentes regiões de São Paulo e até de outros Estados, acompanharam atentamente o desfecho de um dos mais chocantes crimes da história recente do país. E aquela sensação de final de novela das 8, onde mocinhos e bandidos vão ter seus merecidos finais, contamina a fila do pão, do banco, o papo com o taxista, com o cobrador de ônibus. Mas apesar de ter mocinhos e bandidos, infelizmente não é novela, mesmo que as pessoas presentes em frente ao Fórum de Santana estejam com um grito preso na garganta prontos pra gritar “Justiça Feita”.
O caso Nardoni teve repercussão nacional. Muito se falou durante muito tempo. Como um casal classe média, com uma vida confortável, comete um crime bárbaro como esse? Como aquela garotinha linda, com cara de anjo, pode ser arremessada da janela do apartamento pelas mãos do seu próprio pai? Inexplicável. O que é mais inexplicável ainda, é que isso é mais comum do que se imagina. Centenas de crianças são espancadas, abusadas, assassinadas todos os anos no Brasil, mas não tomaram a mesma dimensão que o caso Nardoni tomou. Por quê?
Por que são casos que acontecem na periferia, com pessoas pobres, onde a notícia nem chega na outra esquina, e quando chega é pela metade. Onde a barbarie é destinada justamente para essas pessoas, e quando escala o 5º andar de prédio de classe média, causa tamanha indignação. Afinal, a pobreza ainda é a melhor justificativa para a maioria dos pecados do ser humano. Ora, porque o filho um de um advogado bem sucedido, com curso superior, morando num apartamento de mais de 100 mil reais? Não tem justificativa. Quer ver o que a TV não mostra?

Rio de Janeiro: O desempregado Orlando Rodrigues Pinto, 31 anos, foi preso ontem no final da tarde acusado de ter espancado até a morte seu sobrinho, Emanuel Soares Correia de Lurdes, 3 anos. O crime teria ocorrido entre a noite de domingo e a madrugada de segunda-feira.

Florianópolis - O assassinato de um menino de 12 anos, ocorrido nesta segunda-feira, no Bairro da Velha Central, chocou Blumenau, no Médio Vale, em Santa Catarina. Gabriel Kuhn foi encontrado morto e com as pernas separadas do corpo, por volta do meio-dia, na casa de um vizinho. O suspeito é um rapaz de 16 anos que convivia com a família de Gabriel e com as outras crianças da rua. O crime teria sido motivado por uma discussão durante um jogo de computador.

Recife - Arnaldo Matias da Silva Filho, de 1 ano e 6 meses morava com a mãe e uma outra mulher , num quarto alugado. Segundo os moradores da comunidade onde ocorreu esta fatalidade, a criança ficou em chamas durante uma “briga” entre as mulheres, que estariam cheirando cola; a mãe teria jogado álcool sobre o próprio filho e depois ateado fogo. Sirdelane Cristina da Silva, 23 anos, segundo testemunhas; fugiu em seguida e não socorreu seu filho, moradores da área ouviram os gritos desesperados da criança e invadiram a casa, encontrando o menino ainda em chamas e gritando muito, um morador não identificado enrolou o menino em uma toalha e o colocou debaixo do chuveiro (num ato desesperado), logo após levou a criança ao Hospital da Restauração em Recife.

E assim que venha a condenação, e que sirva de exemplo para os afortunados dos andares acima do 5º, que atrocidades acontecem bem longe dali, onde ninguém poderá enxergar.

sábado, 20 de março de 2010

Tal pai, tal filha.

Há alguns dias atrás duas clientes entraram na livraria que eu trabalho e foram para a sessão infantil com seus respectivos filhinhos. Fussaram alguns livros de contos, historinhas pra ninar, etc. Eu estava ao lado, dando entrada em notas de editoras, o que tornava inevitável eu ouvir a conversa das duas.
- O Lucas dorme na mesma posição que o Flavio, de barriga pra cima...
- O Alessandro já dorme sem roupa, e o Thiago pegou a mesma mania.
Compreendi que elas falaram sobre seus maridos e o que os filhos tinham herdado de cada um. Tentei voltar para meu trabalho, mas comecei a me questionar o que eu teria do meu pai.
Apesar de morarmos juntos, nós fomos criados como irmãos, pois aos dezessete anos ele engravidou uma menina do bairro e eu nasci. Sem dinheiro próprio e sem trabalho(playboy não trabalha enquanto o pai tem dinheiro, não é?), acabei sendo adotada pelos meus avós paternos. Não me lembro dele falando para os amigos que eu era filha dele. Acho que sentia vergonha. Só depois de adulta é que senti uma certa satisfação em sua voz ao falar que eu era a mais velhas das suas três filhas(as outras duas foram feitas sob encomenda e embaladas para presente).
Parei completamente de fazer o que estava fazendo, apenas fingia que fazia. E assim, dei um salto no passado para lembrar de como meu pai é. Nossa, faz 5 anos que não nos vemos, já não lembro de muita coisa(o que não é de todo ruim). Mas consegui lembrar de alguns detalhes, sim. O jeito de meter a mão nos cabelos; o jeito de dormir na cama, com as pernas dobradas que geralmente ocupam um espaço maior(o Wesley sempre reclamava); lamber o dorso do garfo; misturar o caldinho de feijão com purê de batata; achar que só o que é seu é que presta, e que se as pessoas não tem um gosto parecido com o seu, então elas não tem bom gosto; de ser pão duro declarado(eu tenho meus momentos mão de vaca, mas não sempre); a dificuldade em demonstrar que ama... Bem, acho que lembrei de muita coisa até. Pena que só me lembro das coisas ruins, queria poder me lembrar das boas também(se é que tem alguma...).
As duas mães foram embora e eu fiquei parada ali durante um tempinho. Verdade, eu tenho muita coisa dele. Queria poder vê-lo e passar o dia observando seus gestos, as palavras quem saem da sua boca, a marca de cerveja que gosta de tomar, se ainda escuta o cd do Pet Shop Boys, se já deixou os cd’s do Double You de lado(sempre achei cafona).
Bem, acho que já dediquei linhas demais falando nisso....

sexta-feira, 19 de março de 2010

Mackenzistas X Faapianas

Todas as manhãs, no caminho para o trabalho, passo pelas duas faculdades mais conceituadas de São Paulo: Faap e Mackenzie. A primeira, com sua estrutura que lembra algum monumento americano, sustenta a nata da burguesia paulistana. Seus corredores mais parecem a passarela do SPFW. É comum ver seguranças parados com seus carros pretos do lado de fora do prédio. É uma faculdade de elite.
Já no Mackenzie, com seu prédio mais modesto, porém mais moderno, a visão é um pouco diferente. Com jeito mais despojado, com suas sandálias de dedo e aparente descontração, os mackenzistas respiram outro conceito de faculdade. Parecem ser mais acessíveis.
Olhando mais de perto, um ponto me chamou a atenção entre os dois lugares: as mackenzistas e as faapianas.
Parecem ser a mesma coisa, mas não são. As faapianas, com seus Ray Bans originais, suas bolsas louis Vitton, desfilam pela Rua Alagoas, isso porque estacionaram seus New Beattles na frente da faculdade e precisam atravessar a rua. Elas não andam, flutuam. Sem falar dos seus cabelos escovados, unhas perfeitas, perfumes hipinotizantes, maquiagem sob medida para o horário. Quando um celular toca numa roda de amigas, cada uma saca o seu iPhone da bolsa. Ai, não é o meu. E enquanto uma atende, a outra conta detalhes da sua viagem pra Nova York na última temporada de férias e quanto deu seu excesso de bagagem, pois entupiu suas malas com muita roupa da 5ª avenue. A do telefone combina com alguém de ir ao Pink Elefant(entrada em torno de $100 a $250), logo mais a noite. São celebridades anônimas, onde poucas pessoas podem fazer parte do seu mundinho cor de rosa. Já as mackenzistas....
Elas andam e andam bem. Descem no ponto de ônibus da Consolação até o prédio da faculdade. O toque N95 Nokia é um The Strokes ou The Doors. Seus cabelos embaraçados, suas regatas básicas, mostram que sua aparência às vezes costuma ficar em segundo plano. Por que em primeiro vem o novo filme do Tarantino, a biografia do Eric Clapton e o show que o Nouvelle Vague vai fazer no Brasil em Abril(que eu tô louca pra ir...). Sentam na calçada pra beber cerveja barata, fumam um baseado como se estivessem fumando o último cigarro do maço(as faapianas se escondem pra fumar maconha). E depois de bêbadas, tornam-se as meninas mais descoladas e alternativas(pra não dizer das experiências gays).
Eu, sinceramente, sempre preferi as mackenzistas. Estão mais dentro do meu mundo. E na minha opinião, são muuuito mais bonitas e interessantes que as faapianas. Quem sabe um dia eu namore com uma?

segunda-feira, 15 de março de 2010

Ela é carioca


Eram 4 da manhã e eu ainda me perguntava o que eu estaria fazendo naquele ônibus em plena Dutra. Estava deixando meu medo de lado, arriscando, me jogando. Assim como eu fazia quando era mais nova. A cada kilômetro que eu avançava, o medo ia e a ansiedade de chegar vinha. Pra quê? Para encontra-la. Apenas para vê-la e voltar pra casa feliz.
Às 6 da manhã vi os primeiros Outdoors da cidade, com o seu ddd 21. Já estou no Rio. Fazia tempo que eu não me sentia tão livre, tão solta. Igual nos tempos em que eu viajava de carona pelo interior de São Paulo. Cansada, cheguei na rodoviária e fui direto para o albergue. Nervosa, lavei meu corpo com águas cariocas. Estava pronta para encontrá-la. De repente o medo veio, e veio forte. No celular li a mensagem: tô chegando aí. E como uma suicida de bicicleta ela desceu a Silveira Martins. Com cabelos ao vento, de vestido, cortando os carros, dominando a rua inteira. Pensei: meu Deus, é ela! E aquela menina parou na minha frente, freando com tudo, parando com tudo. Parando meu coração. Eu , tímidamente, disse um oi, não sabia o que dizer, o que fazer. A muito tempo ninguém me tirava do meu estado letárgico como ela me tirou. Queria passar horas olhando para aquela mocinha que me fez viajar 6 horas, abandonar a segurança do meu mundo. Mas não podia me delatar assim tão fácil. Tinha uma postura a zelar. Olhava para os prédios, para os carros, para as pessoas ainda respirando o carnaval. Menos pra ela. Em vão. Eu não era eu. E assim deixei que ela me guiasse, me levasse pra onde quisesse. Onde estão minhas forças? Sumiram naquelas esquinas desconhecidas. E pensar que um dia desejei morar naquela cidade, onde as pessoas pareciam ser mais felizes, menos apressadas, com a pele dourada, hibernando o ano inteiro, esperando fevereiro chegar. Será que ali eu seria feliz? Não sei. Só sei que naqueles dois dias eu iria ser feliz. Por que me doei, porque me permiti, sem esperar nada em trocar, sem criar expectativa. Em cada bar, em cada chopp, tinha uma pontinha de felicidade. E ao lado dela me senti protegida, tranquila. Sabia que não ia acontecer nada comigo. Porém, em algumas horas teria que voltar para minha vida 220W, e então uma tristeza fina e cortante tentava se escorar em mim. Resgistrava cada sorrigo largo, cheio, aquele sotaque rasgado. Era isso que eu iria levar comigo, era isso que eu iria lembrar na viagem de volta. E eu tinha que aproveitar.
Assim que nos despedimos, senti vontade de chorar. Não queria ir embora. Mas era preciso. Um pedacinho meu coração ficou em cada passo que eu dei, em cada pingo de chuva que me molhou. Foram dois dias em que eu dormi e sonhei com a cidade e com a garota que imaginei. E agora, o que faço? Continuo a procurar aquele sorriso fácil e dominante? Mas ele está lá. O jeito é vestir minha fantasia de conformada, aceitar sem questionar a impossibilidade de tê-lo um pouco mais perto. E lembrar que a vida tem dessas coisas. E se essa saudade insistir, é só lembrar que ela é carioca..

terça-feira, 9 de março de 2010

As fitas da minha vida


Em meados da década de 90, a cidade de macapá, no estado do Amapá, era apenas mais uma capital apêndice, onde a maior renda da população era o serviço público. E em segundo lugar, vinha uns gatos pingados comerciantes, que faziam a festa dos servidores do governo que não tinham onde gastar seu dinheiro.
Meus pais eram comerciantes, mas não muito afortunados, de fato. Cresci numa família classe média(para padrões amapaenses), estudando em escola pública, jogando bola na rua e empinando pipa com os garotos no asfalto. Porém, desde cedo a música fazia parte da minha vida. Capitando o que havia de melhor dos gostos musicais dos meus irmãos, comecei a moldar os meus. Ouvir pela primeira a vez a voz daquela mulher foi como se o céu se abrisse pra mim. Janis rasgou meus ouvidos como um cirugião. Diante daquele “tecladinho”, me deleitei ouvindo The Doors, sem falar naquele paulista com alma carioca, tímido de olhos verdes, que eu me apaixonei de cara. Chico pra mim era um deus que veio me trazer a palavra. Não tinha mais de onze anos de idade.
Entrando na adolescência, completamente dura em sem mesada dos pais(macapá não tem essa cultura de mesada. Pelo menos comigo e meus amigos não tinha), estava faminta por coisas novas. Mas como comprar cd numa cidade onde só tinha uma loja e ainda sim o preço era um absurdo? Em 1996, computador era coisa de rico, alto luxo. Gravadora de cd então, coisa de milionário. O jeito era partir para as fitas K-7. Com 10 reais eu comprava 7 fitas. A marca era TDK. A melhor que havia.
Saía em verdadeira peregrinação pelas casas dos amigos que tinham os cd’s das bandas que eu mais gostava. Ramones, Pearl Jam, Cranberries, Smashing Pumpkins, The Beatles, REM, Depeche Mode... Datilografava na minha velha máquina de escrever o nome da banda e do disco naquele “encarte” que vinha na fita. Tudo organizado. Às vezes rolava até um release na contra capa! Eram como filhas, morria de ciúmes se alguém pedisse alguma emprestada. Preguei até uma prateleira no meu quarto para deixá-las enfileiradas. E não tinha essa de pular música, tinha que escutar a fita inteira, porque batia uma preguiça ficar procurando a favorita, tinha que deixar rolar.
Agora com 25 anos, com dinheiro no banco, internet sem fio em casa, e vários gigas disponíveis, baixo todos os cd’s que quero(santo pirate bay), dentro de apenas alguns minutos. Tive que me desfazer daquelas que me acompanharam durante minha adolescência, quando saí de Macapá para morar em São Paulo, e que até dois anos atrás me distraíram durante minhas caminhadas noturnas pela Av. Paulista. Se sinto saudades? Melhor nem responder.